Roda de Conversa fortalece debate sobre educação de pessoas em vulnerabilidade

Encontro promovido pelo CNSESI, primeiro da série “O Conselho quer ouvir”, discutiu desafios para inclusão de populações em situação de rua e de encarceramento

Por: Vanessa Ramos e João Soares
31/01/2025 - 16:00
Roda de Conversa fortalece debate sobre educação de pessoas em vulnerabilidade
Padre Júlio Lancellotti fala durante o encontro: convivência e inclusão | Fotos: Karim kahn/Sesi-SP
O Conselho Nacional do SESI (CN-SESI) promoveu nesta sexta-feira (31) a 1ª Roda de Conversa: "Educação e Inclusão Social em Contextos de Vulnerabilidade", reunindo especialistas, educadores e agentes sociais para discutir os desafios de se levar formação escolar a pessoas em situação de rua e de encarceramento.

O evento ocorreu no mezanino do Centro Cultural da FIESP, em São Paulo, e marcou o lançamento do projeto "O Conselho quer ouvir!", que vai levar a diferentes regiões do país o debate sobre inclusão educacional.

Além de gestores do SESI, pesquisadores e profissionais ligados ao tema, a 1ª Roda de Conversa contou com a participação do Padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua de São Paulo.

Desafios estruturais
Na abertura do evento, o presidente do Conselho Nacional do SESI, Fausto Augusto Junior, falou sobre os desafios estruturais da educação no Brasil, entre eles a evasão escolar.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), 8,8 milhões de brasileiros de 18 a 29 anos não concluíram o ensino médio nem frequentam nenhuma instituição de educação básica. No total, 68 milhões de pessoas no país não possuem escolaridade básica.

Para enfrentar essa realidade, o SESI firmou parceria com o Ministério do Trabalho para ofertar 25 mil vagas no programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA) profissionalizante, integrando qualificação e aumento da escolaridade. "Esse acordo busca criar oportunidades para quem, por diferentes razões, não conseguiu concluir os estudos", afirmou Fausto.

O presidente ressaltou a importância de compreender a evasão a partir dos contextos mais vulneráveis. "Muitos jovens são empurrados para fora da escola por diferentes situações sociais. Entender isso é o primeiro passo para mudar essa realidade. Não podemos deixar ninguém para trás", enfatizou.

De acordo com ele, a análise dessas realidades extremas pode orientar políticas mais eficazes de inclusão educacional. "Estudar os desafios mais críticos nos ajuda a construir soluções para toda a rede de ensino", ressaltou.
Também na abertura, o superintendente do SESI-SP, Alexandre Pflug, destacou as ações do departamento regional na área de educação e elogiou a inciativa da Roda de Conversa.

“Esse é um momento bom de aprendizado, um momento de escuta, para refletir sobre as nossas práticas e, a partir disso, avançar ainda mais naquilo que a gente vem fazendo cotidianamente”, afirmou.

Ensino para populações vulneráveis
O primeiro painel da Roda apresentou algumas experiências educacionais com pessoas em situação de vulnerabilidade, tendo como palestrantes Rossana Ishii Chida e Vânia Lúcia da Silva, respectivamente coordenadora e analista educacional do SESI-SP.

Elas ressaltaram a importância de se respeitar a história de vida dos alunos, sobretudo quando se fala em educação de jovens e adultos, e destacaram a parceria com o SESI nacional, que trouxe a metodologia de reconhecimento de saberes para a Nova EJA.

“A EJA tem a função de reparar socialmente aquilo que foi negado para o exercício da cidadania, a função de equalização de direitos e a função da qualificação profissional”, disse Vânia Silva.

“A gente valoriza e valida esse conhecimento do aluno”, completou Rossana Chida. “A gente traz a possibilidade da educação como transformadora de vida, porque a única coisa que transforma a vida das pessoas ainda é a educação. A educação é extremamente potente para reduzir qualquer tipo de vulnerabilidade, seja a do sistema prisional, seja do morador de rua ou mesmo dos alunos que a gente recebe atualmente”.

Oportunidade e valorização
A segunda mesa abordou a educação para pessoas privadas de liberdade. Um dos palestrantes foi Emerson Rodrigues Sanches, chefe de departamento dos Centros de Detenção Provisória I e II de Guarulhos, para quem os projetos educacionais em unidades prisionais possuem uma dinâmica própria, exigindo adaptações específicas em sua implementação.

“A gente trabalha muito a questão de segurança e disciplina dentro das unidades prisionais. Mas tudo é fruto do que você promove para que isso aconteça. E a educação é fundamental”, afirmou Sanches.
Atualmente, os CDPs oferecem um ciclo completo de educação formal, abrangendo desde os anos iniciais do ensino fundamental até o ensino médio. Além disso, por meio de uma parceria com uma universidade local, a unidade disponibiliza um curso superior de logística na modalidade de ensino à distância (EAD). “A proporção de aceite é gigantesca" relata.

Ele destaca a valorização das pessoas em situação prisional diante da oportunidade de estudar e se qualificar profissionalmente. “Alguns aqui fora não têm a oportunidade que eles estão tendo lá dentro, então eles valorizam muito mais. A intensidade com que eles praticam, a gente percebe que é motivacional. Quanto mais a gente fizer, maior será o retorno”, observa.

Nessa mesa também falaram Gilberto Alvarez, diretor presidente do Instituto PoliSaber; Alexandre Rodrigues Cabrera, superintendente FUNAP; Emerson Bezerra Conceição Junior, professor de Física do cursinho da Poli/FUNAP; e Renato Fonseca, professor de Língua Portuguesa.

Compreender o outro
A terceira e última mesa teve uma explanação do Padre Júlio Lancellotti, que trouxe histórias de seu trabalho junto a populações vulneráveis, entre elas pessoas em situação de rua e de encarceramento.

Ele destacou a necessidade de compreender a especificidade de cada situação ao lidar com essas pessoas, observando que, muitas vezes, a sociedade tenta oferecer soluções imediatas, como a medicalização, sem antes entender a origem do sofrimento.

Para ele, isso não resolve o problema, pois a dor dessas pessoas vai além do físico. “É a dor de estar na rua, a dor de ser negado, a dor de não ter onde urinar, de não ter onde encontrar água, de não ter uma sombra para descansar, a dor de não poder sonhar, a dor de chorar sozinho”, descreveu.

Padre Júlio também chamou a atenção para a importância da convivência como meio de conhecimento e transformação social. “O que é significativo para as pessoas em situação de rua, é para nós? Às vezes estamos falando uma linguagem, eles estão falando outra”, questionou, destacando o distanciamento entre a percepção social e as reais necessidades dessa população.

“Se você não convive, você não conhece. Se você não convive e não conhece, você não ama. Porque o amor é uma forma de conhecimento”, afirmou.

Ele defendeu um processo educativo personalizado, de maneira que cada indivíduo seja visto e ouvido em sua singularidade.

Além disso, ressaltou que o modelo pedagógico atual tende a beneficiar os chamados “melhores”, reforçando desigualdades ao invés de superá-las. Para ele, esse é um dos desafios enfrentados por projetos sociais, promovendo uma educação que atenda às diferentes realidades e necessidades das pessoas em situação de vulnerabilidade.

Construção de caminhos
No encerramento da conversa, o presidente Fausto Junior disse que rodas de conversa como a realizada nesta sexta trazem um acúmulo de experiências que podem se tornar orientadoras de políticas públicas e instrumentos de efetiva transformação social.

“A gente quer ouvir porque a gente quer levar possibilidades e apresentar alternativas. Nossa intenção é olhar a educação para além da sala de aula, construir as pontes para que a sala de aula encontre respostas que muitas vezes ela não tem. Essa é uma experiência que a gente está começando agora, aqui em São Paulo, mas que nós vamos levar para vários estados”, finalizou.

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