A retomada do desenvolvimento sustentável: o grande desafio de 2024

Artigo de Luciano Coutinho

Por: Luciano Coutinho
22/11/2023 - 10:08
A retomada do desenvolvimento sustentável: o grande desafio de 2024
Arte: Roberto Ferreira

A evolução da conjuntura econômica brasileira em 2023 veio, até há pouco, se saindo melhor que o esperado: o PIB deve crescer cerca de 3% e a inflação caminha para fechar o ano em 4,7%, dentro do teto da meta de inflação. O crescimento neste ano foi impulsionado pela forte expansão da agropecuária (estimado em +14%) e do setor extrativo (+6%) sob estímulo de taxa de cambio e preços externos favoráveis.

O bom comportamento da inflação derivou de firme desaceleração dos preços dos alimentos no mercado interno e de uma significativa deflação dos IGPs (índices de preços no atacado) entre março e agosto de 2023. Essa onda de deflação, que resultou da regularização das cadeias mundiais de suprimento (especialmente das chinesas), de metais e outras matérias primas, teve papel chave para inesperada e rara aterrissagem suave da inflação nos países desenvolvidos e no Brasil ao longo de 2023.

No nosso caso, o impacto irrefutável da referida deflação, vinda pelo lado da oferta, teve o efeito positivo de fulminar a renitência do Banco Central em iniciar a redução da Selic – havia hum ano encastelada no exagerado patamar de 13,75% ao ano. 

Mas, por detrás deste quadro conjuntural aparentemente benigno espreitam grandes desafios. Como vimos, o crescimento brasileiro em 2023 esteve muito concentrado no agronegócio e na mineração, enquanto a produção industrial permaneceu estagnada. Esta composição desequilibrada do crescimento recente afetou o desempenho da receita tributária, dado que a agricultura e a mineração carregam cargas tributárias muito baixas e a indústria, cuja carga tributária é alta, praticamente não cresceu. 

É necessário, portanto, reequilibrar os vetores de crescimento de nossa economia, por meio de impulsos aos investimentos em infraestruturas e em novas oportunidades industriais competitivas. Mas, quais as precondições e desafios a uma retomada sustentável e duradoura do crescimento depois de uma década de crescimento pífio? 

No âmbito da economia mundial as perspectivas não são muito animadoras Os Bancos Centrais dos países desenvolvidos, começando com o Federal Reserve americano, sinalizaram que devem manter a taxa nominal de juros em patamar elevado ao longo do próximo ano, para reduzir mais a inflação. Como sabemos, a taxa de juros dos títulos de dez anos do Tesouro dos EUA são a principal referência para os juros de longo prazo no mercado internacional. Essas taxas devem continuar oscilando entre 4,5% e 5,5% ao ano, estabelecendo um patamar mínimo para o custo de capital nas economias integradas ao mercado financeiro global. 

No caso das economias em desenvolvimento como o Brasil, isso significa taxa de juros reais de longo prazo, descontada a inflação, entre 6,5% e 7,5% ao ano, no mínimo. Este é um patamar muito alto para viabilizar um ciclo de novos investimentos em infraestruturas e em novas indústrias associadas à transição energética. Portanto, uma solução adequada e inovadora de financiamento a custos de capital razoáveis precisará ser construída. 

O desempenho econômico mais fraco previsto para a China também constitui fator de preocupação. A séria crise no setor imobiliário abalou um dos motores relevantes do crescimento chines nos últimos anos e isso tende a rebaixar o seu ritmo anterior, de 5% a 5,5% ao ano, para algo perto de 4%.

Dois outros fatores suscitam incertezas em relação a 2024: 1) a permanência das tensões geopolíticas, em face da provável continuidade da guerra Rússia-Ucrânia e dos riscos de ampliação de conflitos no Oriente Médio a partir da guerra entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza; 2) o possível agravamento do fenômeno do El Niño no primeiro quadrimestre do próximo ano, com aumento da temperatura do Oceano Pacífico para além de 1,5º C, aguçando a irregularidade climática, com impactos desfavoráveis sobre a oferta de produtos agrícolas e,  por-conseguinte, sobre a inflação. 

Se, de um lado, os efeitos adversos das incertezas acima arroladas tendem a manter os juros mundiais mais elevados por mais tempo e, assim, implicar em crescimento mais lento da economia e do comercio mundial, de outro lado, esse cenário também poderá evoluir de modo mais favorável. O El Niño pode vir a ser mais suave e seus efeitos menos danosos, os conflitos armados em regiões conflagradas poderão ser amainados por negociações diplomáticas racionais, a China pode contornar a crise imobiliária e buscar novas fontes de crescimento, os Estados Unidos e a União Europeia podem crescer mais que o previsto hoje, sob o impulso de investimentos necessários à transição para a sustentabilidade energética e ambiental.

A economia brasileira, por sua vez, não está condenada à estagnação e nem pode tolerar mais desindustrialização. É mais que chegada a hora da adoção de uma política industrial estruturante, de longo prazo, firmemente apoiada pela sociedade brasileira e fundada numa aliança entre o Estado e o setor privado.

E não se trata, apenas, de revitalizar a competitividade e a expansão dos vários setores industriais aptos a exportar e a escapar do obsoletismo. Também não se trata, apenas, de acelerar a digitalização das grandes, médias e pequenas empresas que estão atrasadas na jornada ao paradigma da automação 4.0. Trata-se, sobretudo, de capturar e desenvolver novos setores industriais.   

Com efeito, o Brasil se defronta com notáveis oportunidades de desenvolvimento de novos setores em função do seu grande potencial em energias renováveis. A expansão da geração eólica e solar pode gerar volumes de energia renovável a preços competitivos para viabilizar a produção do hidrogênio verde que, por sua vez, pode substituir o uso do carvão e dos derivados do petróleo em indústrias como siderurgia, petroquímica, cimento ou ser convertido em amônia verde e derivados como fertilizantes nitrogenados. 

Além disso, o hidrogênio verde pode viabilizar várias outras oportunidades econômicas, a saber: pode ser utilizado em plantas industriais para produção do HBI (um aglomerado especial de minério de ferro) para utilização em fornos elétricos, ou pode ser transformado em combustíveis renováveis substitutos, tais como, o bio-querosene, o biometanol e o biodiesel. Em resumo, o hidrogênio verde pode funcionar como acelerador dos processos de descarbonização da indústria brasileira, capacitando-a assumir, em vários setores, papel de liderança no mercado mundial. 

Saliente-se que os biocombustíveis de origem biológica representam outra magnifica oportunidade econômica para o Brasil, com destaque para o biometano, que já vem sendo produzido eficientemente a partir da vinhaça gerada nas usinas de açúcar e álcool ou a partir de outros resíduos agrícolas. Ademais, outros biocombustíveis sustentáveis encontram-se em estágio avançado de desenvolvimento, visando substituir congêneres fósseis para a aviação comercial, transportes naval e rodoviário de carga. 

As oportunidades não se esgotam nos exemplos acima. Existem perspectivas viáveis em outros complexos industriais como no da saúde, da indústria química, no complexo automotivo e em setores de bens de capital. Não há como abordá-los neste curto espaço, mas, pode-se apontar, sucintamente, duas pré-condições que precisam estar no coração da nova política industrial: 1) investir maciçamente em inovação e P&D; 2) mirar o mercado global, seja pela via da exportação ou da internacionalização.   

Depois de quase uma década de estagnação ficou urgente e imperiosa a retomada do desenvolvimento social e econômico sustentável. Isso requer pensamento estratégico, metas ambiciosas e objetivos claros. Urge refletir, dialogar e construir uma grande aliança política nesta direção, antes que seja tarde demais!

 

*Luciano Coutinho
Professor colaborador do Instituto de Economia da UNICAMP e consultor sênior da Macrotempo Economia e Finanças S/S                                                                                                                                                                                

 

Utilizamos cookies para permitir o funcionamento de nosso site e para coletar estatísticas de visitas para melhorar sua experiência de navegação. Saiba mais em nossa política de cookies ou gerencie suas permissões. Fale com nosso DPO através do e-mail: lgpd.cnsesi@cnsesi.com.br