Evento proporcionou ações para fortalecer as culturas indígenas e garantir seu direito de existência, colaborando para um futuro mais inclusivo e sustentável
De acordo com Patrícia Espinosa, Secretária Executiva do UNFCCC, Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, “os povos indígenas devem ser parte da solução para as mudanças climáticas”. Segundo ela, o importante valor do conhecimento não pode, e não deve, subestimado. Os povos indígenas são fundamentais para encontrar soluções hoje e no futuro”.
Belém, capital do Pará, sediará a COP 30, conferência do clima da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2025. Impulsionado pela pauta da proteção, preservação da cultura indígena e mudança climática, tema dessa edição, o Conselho Nacional do SESI envidou esforços para apoiar a 15ª edição da Aldeia Multiétnica, que ocorreu de 7 a 14 de julho.
O encontro, dedicado ao fortalecimento cultural e político dos povos indígenas e quilombolas, aconteceu em uma área de preservação ambiental do Cerrado, a apenas 20 km de Alto Paraíso de Goiás, nas proximidades do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, a 230 km de Brasília.
Idealizada em 2007, a Aldeia Multiétnica surgiu como um espaço de intercâmbio e enriquecimento cultural entre indígenas e não-indígenas. Suas atividades envolveram uma diversidade de oficinas, fóruns e eventos para disseminar conhecimentos e competências dos povos originários. Uma oportunidade única para experienciar e aprender sobre as culturas e estruturas sociais de cada etnia participante, além de possibilitar aos não-indígenas uma compreensão mais ampla dos povos indígenas em geral.
Durante uma semana, diferentes etnias indígenas se uniram em um espaço de interação para compartilhar seus saberes, técnicas, tradições e costumes, incluindo cantos, danças, culinária, pinturas corporais e manifestações artísticas. Os participantes tiveram a chance de engajar-se nas lutas pelos direitos originários dos povos indígenas e pela preservação de suas culturas e territórios tradicionais. Por outro lado, os organizadores comemoram o fato de a Aldeia Multiétnica ter proporcionado um espaço de diálogo aberto entre indígenas e não-indígenas, por meio de rodas de conversa e convivência cotidiana, abordando-se a realidade vivenciada nas aldeias.
Para Alexandre Antônio da Silva, Gerente de Projetos do Conselho Nacional do SESI, o apoio a esse evento representa um marco importante. Alexandre chama a atenção para o fato de que essa iniciativa se converge com as ações de educação, cultura e lazer, promovidas pelo Serviço Social da Indústria nas cidades. “Os alunos do SESI, quando têm a oportunidade de acesso a esse tipo de ação, aprendem sobre sua origem, saberes dos povos originários e culturas tradicionais”, avalia Alexandre.
Alexandre ainda alerta para a importância de informar sobre a necessidade de preservação da cultura Kalunga, abandonada pelo governo anterior. Amplamente divulgadas pela imprensa, as ameaças sofridas por essa etnia foram de vulnerabilidade para seu território ao contingenciamento de recursos para suas indenizações.
Reconhecido por um programa ambiental da ONU, o território Quilombo Kalunga é o primeiro Território e Área Conservada por Comunidades Indígenas e Locais (TICCA) do Brasil. Esse reconhecimento internacional é concedido apenas a regiões que garantem o bem-estar de seu povo e mantêm a conservação da natureza.
Para saber mais sobre o evento, leia a entrevista com o indigenista Juliano George Basso, presidente da Casa de Cultura Cavaleiro de Jorge, idealizador e coordenador do Encontro de Culturas e da Aldeia Multiétnica.
CNSESI: Vamos começar perguntando sobre o evento em si. O que ele representa e como você vê a participação de diferentes etnias e instituições nessa iniciativa?
Juliano Basso: O evento representa muito mais do que apenas uma iniciativa dos povos indígenas. Ele agrega várias etnias e também inclui pessoas não-indígenas, além de outras instituições que tratam do assunto. Essa diversidade é fundamental para abordar a questão indígena de uma forma mais abrangente e inclusiva.
CNSESI: Dentro desse contexto, qual é o destaque desta edição do evento?
Juliano Basso: O destaque desta edição é o reconhecimento governamental diferenciado que temos conquistado, graças à iniciativa do presidente Lula, que criou o Ministério dos Povos Indígenas. Essa é uma medida muito louvável de reconhecimento, mesmo que tardia na história do Brasil. Além disso, é uma grande conquista ver uma mulher indígena ocupando o cargo de presidente da Funai. Isso representa um avanço significativo, pois estamos dando voz aos povos indígenas e vendo uma indígena ocupar espaços de poder na política brasileira.
CNSESI: Vocês têm trabalhado nesse movimento indígena há muito tempo. Como você enxerga o caminho que tem sido aberto para a causa indígena?
Juliano Basso: Sim, estamos há muito tempo engajados nesse movimento. E agora vemos um caminho novo sendo aberto. Durante esses dias de evento, estamos discutindo sobre esses avanços, mesmo em um ambiente festivo. Esse projeto de continuidade está acontecendo aqui na região da Chapada dos Veadeiros desde 2007 e integra o Encontro de Culturas, que é tradicional nessa região. A Aldeia Multiétnica faz parte das iniciativas pensadas a partir desse universo tão rico que os povos indígenas representam dentro do nosso território, do nosso país.
CNSESI: Na parcela não-indígena da sociedade brasileira há dificuldade em conhecer os povos indígenas, principalmente devido à falta de abordagem educacional sobre o assunto.
Você poderia falar um pouco sobre isso?
Juliano Basso: Certamente. Como sociedade brasileira, enfrentamos uma grande dificuldade em conhecer e entender os povos indígenas, principalmente porque não tivemos uma educação que nos proporcionasse essa perspectiva. É importante destacar que temos 13% do território nacional como terras indígenas, com 270 línguas diferentes faladas por povos indígenas e mais de 300 povos. A Aldeia Multiétnica busca promover essa integração de aprendizado, permitindo que pessoas não-indígenas se aproximem e conheçam mais sobre essas culturas.
CNSESI: E por fim, o que você considera como a grande magia da Aldeia Multiétnica e o que realmente diferencia esse evento?
Juliano Basso: A grande magia da Aldeia Multiétnica é a diferenciação dos povos indígenas em seus diversos rituais e a integração de diferentes etnias nesses rituais. Isso é o que torna esse evento especial, pois permite que pessoas não-indígenas se integrem e aprendam com esses povos. É uma oportunidade única de vivenciar essa diversidade cultural.
CNSESI: A questão quilombola está em discussão este ano?
Juliano Basso: Sim, a questão quilombola é um assunto de grande importância que está sendo discutido atualmente. Aqui, na região da Chapada dos Veadeiros, temos a comunidade Kalunga que é considerada a maior comunidade quilombola do Brasil. Essa comunidade abrange três municípios: Cavalcante, Monte Alegre de Goiás e Teresina de Goiás. Os kalungas são ativos na aldeia multiétnica, onde há uma parceria com a tecnologia Kalunga, desenvolvida localmente. Nossa arquitetura indígena é adaptada para trabalhar em conjunto com essa tecnologia.
CNSESI: Como a comunidade Kalunga está envolvida nas discussões?
Juliano Basso: A comunidade Kalunga está bastante envolvida nas discussões, especialmente em relação às políticas indígenas e à educação. Na Aldeia Multiétnica, temos um grupo de aproximadamente 30 pessoas que são kalungas, ou seja, essa etnia está bem representada. Eles participam ativamente dos debates e contribuem com suas experiências e conhecimentos.
CNSESI: Quais são as conquistas educacionais da comunidade kalunga?
Juliano: Já temos jovens da comunidade Kalunga que concluíram não apenas a graduação, mas também o mestrado e o doutorado. Eles estão assumindo papéis importantes dentro da comunidade, trazendo novos conhecimentos e fortalecendo o desenvolvimento da região. Além disso, a Associação Kalunga está bem estruturada e cuida do território, o que é fundamental para a preservação da cultura e o progresso da comunidade.
CNSESI: Como você vê a relação entre as universidades e os povos tradicionais?
Juliano: A relação entre as universidades e os povos tradicionais está passando por uma grande transformação. As universidades estão se adaptando e abrindo oportunidades para que os povos indígenas tragam seus conhecimentos e experiências. Essa troca de conhecimentos é uma revolução tanto para a sociedade quanto para a universidade. No futuro, esperamos ver uma sociedade mais inclusiva e uma universidade que esteja verdadeiramente conectada com os povos tradicionais.
CNSESI: Qual a importância desse conhecimento tradicional para a sociedade e a universidade?
Juliano: O conhecimento tradicional trazido pelos povos tradicionais, como os kalungas, é de extrema importância tanto para a sociedade quanto para a universidade. Esse conhecimento enriquece o nosso entendimento sobre a cultura, a biodiversidade e as práticas sustentáveis. A união do conhecimento tradicional com a educação acadêmica pode gerar uma grande transformação no Brasil, promovendo o desenvolvimento sustentável e a valorização da diversidade cultural.
CNSESI: Sobre a presença não-indígena na feira. Você poderia falar um pouco sobre as expectativas?
Juliano Basso: Estamos dentro das nossas expectativas em relação à presença não-indígena na feira. A cada ano, é um novo aprendizado para nós, onde sempre encontramos coisas novas. Faz parte do processo, é uma parte natural da vida. Porém, acertamos em diversas coisas. Estamos buscando tornar o evento mais inclusivo e sustentável. Para isso, temos trabalhado em uma boa comunicação positiva.
CNSESI: Muito interessante. Agora, vamos falar um pouco sobre o apoio do CNSESI. O que isso representou para vocês?
Juliano Basso: Com certeza. Primeiramente, passamos a ter esperanças renovadas ao saber que certas políticas públicas estão chegando a lugares onde antes não chegavam. Esse é o primeiro passo importante. Fomos patrocinados pela Petrobras, uma empresa estatal, e iniciamos nossa parceria em 2003, quando fomos convidados a ser patrocinados pela Petrobras por meio da política de apoio ao patrimônio imaterial. Desde 2013, fomos continuamente patrocinados por eles. Foram 12 anos de patrocínio contínuo até 2015. Espero que essa relação também possa acontecer com o SESI, pois queremos construir uma parceria sólida.
O SESI está trazendo uma nova abordagem ao sistema cultural. Não se trata apenas de um show ou entretenimento, mas sim de vivências culturais profundas e diversas, como é o caso da Aldeia Multiétnica. Esse apoio coloca nossos projetos em locais que proporcionam qualidade e experiências únicas para as pessoas. É uma forma de entender e apoiar a cultura brasileira em sua essência.
Não é algo comum, então estamos muito felizes com o SESI por esse reconhecimento. Este é apenas o primeiro ano de parceria, mas acredito que estamos começando uma relação duradoura. Espero que nossa colaboração continue, já que também trabalhamos em projetos transformadores e educacionais, algo que acredito que o SESI também esteja buscando em sua nova abordagem.
CNSESI: Para concluir, gostaria que você deixasse uma mensagem para nossos leitores.
Juliano Basso: Primeiramente, quero ressaltar que estou falando aqui em nome do evento, da Aldeia Multiétnica, e não como porta-voz dos povos indígenas, pois eles já têm suas próprias vozes. No entanto, posso falar sobre a importância desse evento, onde nos reunimos para promover o encontro de diferentes povos há muito tempo. Essa experiência tem mostrado que o fortalecimento dos povos indígenas é também o fortalecimento do Brasil como um todo.
Precisamos entender a importância de estabelecer um diálogo mais profundo entre os povos indígenas e a sociedade. Eles detêm sabedorias milenares que podem nos ajudar a enfrentar as dificuldades que enfrentaremos num futuro próximo, especialmente relacionadas às mudanças climáticas e seus impactos.
Temos muito a aprender com os povos indígenas e devemos respeitá-los, reconhecendo que eles podem ser nossos professores quando se trata de uso sustentável dos recursos naturais.
Prestemos atenção, pois os povos indígenas possuem inúmeras tecnologias sociais e ambientais que podem nos auxiliar a enfrentar os desafios do futuro, garantindo um futuro viável para as próximas gerações.