Combinando elevação da escolaridade e formação profissional, o programa "Sou Capaz" tem transformado, na prática, a realidade de pessoas privadas de liberdade no Ceará. A iniciativa é resultado do trabalho conjunto da Secretaria da Administração Penitenciária do Estado (SAP) com o Serviço Social da Indústria (SESI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI).
Nessa quarta-feira (25), o presidente do Conselho Nacional do SESI (CN-SESI), Fausto Augusto Junior, visitou duas unidades prisionais da Região Metropolitana de Fortaleza — a Unidade Prisional Professor Olavo Oliveira II (UPPOO2) e a Unidade Prisional Professor José Sobreira de Amorim (UPPJSA) — para acompanhar de perto as ações educacionais e formativas em curso.Fausto percorreu as instalações, ouviu relatos de internos e conheceu os resultados de programas como a Educação de Jovens e Adultos (EJA), o projeto Livro Aberto, o programa Acordes para Vida e os cursos de qualificação técnica.

Representantes da SAP, do CN-SESI, do SESI-CE e do SENAI-CE em frente à unidade penal Professor Olavo Oliveira II | Foto: George Lucas/FIEC
A visita integra a programação institucional do CN-SESI no Ceará e reforça o compromisso com uma educação que atinge os territórios mais marcados pela exclusão — onde o impacto é direto e mensurável.Segundo o superintendente do SESI Ceará e diretor regional do SENAI Ceará, Paulo André Holanda, a atuação nas unidades prisionais hoje alcança 16 unidades penais no estado. “Temos cerca de 1.500 internos trabalhando em indústrias instaladas nas unidades e mais de 4 mil em atividades de manutenção. Temos observado pouca reincidência criminal nos últimos anos, ampliando a inserção de egressos no mercado com dignidade”, afirmou. Ele também mencionou dados de um censo realizado pela SAP a cada quatro anos, que apontam o perfil social da maioria dos internos no momento em adentra a unidade penal. “Sabemos que 81% estavam em três situações: ou eram desempregados, ou analfabetos, ou semianalfabetos. Isso mostra uma relação forte entre a falta de emprego, a falta de educação e a criminalidade”, afirmou.
Segundo o gerente de Operações e Negócios do SESI SENAI Ceará, Walaci Fialho, os cursos abrangem 12 áreas industriais, com destaque para costura, automotiva, refrigeração, soldagem, construção civil e alimentos. Ele explica que os internos cumprem jornada de trabalho de segunda a sexta-feira, com oito horas diárias, das 8h às 17h, incluindo intervalo para o almoço. As atividades educacionais ocorrem no turno da noite, de segunda a quinta-feira, geralmente das 18h30 às 21h.
Pessoas privadas de liberdade contam com ambiente adequado ao ensino
| Foto: George Lucas/FIEC
A cada 12 horas de estudo, é concedido um dia de remissão da pena, conforme previsto na Constituição Federal.Segundo Fialho, a remuneração é dividida entre três destinos: metade é enviada a um familiar, 25% fica reservada em conta para ser utilizada após o cumprimento da pena e os 25% restantes são direcionados ao governo estadual.“Esse valor é investido em novas ações de educação para os próprios internos. É um ciclo que retorna em forma de oportunidade”, destacou.
Educação em tempo integralEntre os marcos da atuação está a construção da primeira escola profissionalizante de tempo integral do país dentro de uma unidade prisional. Erguida por formados pelo SENAI, a estrutura ocupa 800 m² e conta com três salas de aula, dois laboratórios de química, um laboratório de informática, sala multiuso, refeitório e setor administrativo. Com capacidade para 245 estudantes, a escola oferece turmas do Ensino Médio articuladas à Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Entre 2023 e 2024 foram mais de 20.800 horas de formação e 2.620 vagas em 131 turmas, integrando base curricular e qualificação profissional. A iniciativa é fruto da parceria entre a Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC) e o governo estadual.Para o presidente do CN-SESI, Fausto Augusto Junior, o que se desenvolve hoje no sistema prisional cearense representa uma das experiências mais relevantes de educação transformadora no Brasil. “A parceria entre o SESI e o sistema prisional do Ceará é uma referência. Estamos falando de educação real, onde ela mais precisa estar. É integração entre ensino, trabalho e cidadania”, afirmou.

Presidente Fausto Augusto Junior visita sala de aula e conversa com alunos internos da escola na Unidade Prisional Professor Olavo Oliveira II | Foto: George Lucas/FIEC
Fausto destacou ainda o princípio que orienta a EJA do SESI: “ninguém fica para trás”. Segundo ele, a transformação só é legítima quando alcança os espaços mais invisibilizados pela sociedade. “Transformar exige presença, método e continuidade. E aqui há resultados visíveis.”A gerente de Educação do SESI Ceará, Ana Paula Pinho, afirmou que a parceria com a SAP teve início em 2020, com a oferta de EJA, Formação Inicial, Anos Finais e Ensino Médio, em sete unidades prisionais, masculinas e femininas, localizadas na Região Metropolitana de Fortaleza, Sobral e Juazeiro do Norte. “Já atendemos 8.612 estudantes. O reconhecimento de saberes e a certificação ao final do curso são nossos diferenciais para a construção de novas realidades. Seguimos certos sobre o papel da educação na construção de uma ressocialização real e na reinserção no mercado de trabalho”, afirmou. O secretário executivo da SAP no Ceará, Rafael de Jesus Beserra, destacou que a principal meta do estado é fortalecer a política de ressocialização das pessoas privadas de liberdade. Segundo ele, a educação e a formação profissional são os dois eixos que orientam esse esforço.“Hoje, o grande objetivo do Estado do Ceará é trabalhar a ressocialização das pessoas presas”, afirmou. Beserra ressaltou que levar essas pessoas para a sala de aula é essencial para o desenvolvimento do conhecimento, enquanto a formação profissional viabiliza tanto a participação em atividades produtivas nas unidades prisionais quanto a inserção no mercado de trabalho após o cumprimento da pena.
Internos estudam música na unidade penal | Foto: George Lucas/FIEC
Para o coordenador de Educação Básica da SAP do Ceará, Rodrigo Moraes, a presença da Escola SESI nas unidades prisionais tem gerado impactos significativos tanto na formação quanto no comportamento das pessoas privadas de liberdade.
Ele explica que, ao longo dos últimos anos, foi possível acompanhar a evolução de muitos que chegaram sem saber ler ou escrever. “Vemos pessoas que chegaram sem saber ler e hoje têm certificações do Enem e do Encceja. A transformação se reflete também no comportamento, na convivência, na autoestima”, afirmou.
Moraes destacou ainda que a elevação da escolaridade, somada à disciplina promovida pela rotina educacional, tem fortalecido o processo de ressocialização dentro das unidades administradas pela SAP.
A visita do Conselho Nacional do SESI ao Ceará segue nesta quinta-feira, 27, com a participação na inauguração de uma escola e visita ao Centro de Inovação do SESI, em Fortaleza (CE).