Especialistas debatem educação e formação para o trabalho em tempos de digitalização e IA

Educadores, agentes públicos e empresários discutem desafios e estratégias dos avanços tecnológicos em evento da CNI e do Conselho Nacional do SESI

Por: João Soares e Vanessa Ramos
11/02/2025 - 18:53
Especialistas debatem educação e formação para o trabalho em tempos de digitalização e IA
Painel 1: desafios para o aprendizado e o trabalho| Foto: Gilberto Souza-CNI
Brasília sediou, nesta terça-feira (11/2), um debate estratégico sobre os desafios da educação digital e a formação para o trabalho no contexto da transformação tecnológica global.

O evento “Experiências internacionais do B20 Brasil: uma agenda para a educação básica e requalificação profissional” 
contou com a participação de especialistas do setor educacional e empresarial, retomou as discussões realizadas pelo B20 durante a presidência brasileira do G20, em 2024, e organizou a continuidade dos debates sobre o tema no Cebrics (Conselho Empresarial do BRICS), que acontecerá em 2025, no âmbito do BRICS, igualmente sob presidência do Brasil.
 
O encontro desta terça foi promovido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), com o apoio e a participação do Conselho Nacional do SESI (CN-SESI).
 
Na abertura do evento, o presidente do CN-SESI, Fausto Augusto Junior, destacou a importância de colocar a educação no centro das políticas públicas. Para ele, embora a educação não resolva todos os desafios do país, não há como superá-los sem um investimento consistente e estruturado na área.
 
“O Brasil, assim como outras nações em desenvolvimento, enfrenta desafios complexos diante das grandes transformações globais. A educação não resolve tudo, mas não resolveremos nossos problemas sem a educação”, afirmou Fausto.
 
Ele ressaltou ainda a necessidade de acompanhar as mudanças do mundo e adaptar as estruturas educacionais e democráticas do país. "É fundamental compreender que vivemos em um cenário de transformações constantes e que a forma como organizamos a educação e estruturamos o processo democrático exige ajustes significativos”, pontuou.
 
Também falaram na abertura o superintendente nacional do SESI, Rafael Lucchesi, e o presidente da CNI, Ricardo Alban.
 
Alban afirmou que o Brasil e os brasileiros precisam recuperar o conceito de nação, apontado a educação básica e profissional como um bom caminho para isso, principalmente diante das mudanças promovidas pelas novas tecnologias.
 
“Nesse contexto, temos uma população que vai precisar extremamente de apoio, e esse apoio não pode ficar apenas na subsistência. É um apoio de formação, de preparo para uma nova realidade, onde a gente possa ter pessoas efetivamente engajadas num conceito de país, num conceito de nação, para que a gente possa garantir, assim, um crescimento sustentável, com desenvolvimento social, para que a gente tenha, efetivamente, um legado que possamos deixar para o futuro e para as gerações.”
 
Lucchesi, por sua vez, ressaltou a importância das novas tecnologias e da sustentabilidade como elementos fundamentais para o futuro da educação e do desenvolvimento global. Segundo ele, a quarta revolução industrial não se limita à Internet das Coisas, mas engloba um avanço tecnológico sem precedentes. "Vivemos uma revolução científica e tecnológica com múltiplas frentes de inovação”, afirmou, lembrando que, além disso, a sustentabilidade é outro tema que não pode ser ignorado. “Nenhuma liderança global pode sufocar essa discussão. A sustentabilidade certamente moldará o futuro”, pontuou.
 
Articulação
 
Após a abertura, a sherpa do B20, Constanza Negri, destacou que o trabalho desenvolvido pelo sistema da indústria envolve uma articulação ampla e profunda, ressaltando o papel de entidades como o SESI, o SENAI e o Conselho do SESI.
 
Ela também falou sobre a relevância do G20 como fórum de cooperação econômica internacional, representando países que somam 85% do PIB global. Segundo ela, a presidência brasileira do bloco, em 2024, representou um marco, possibilitando ao setor privado atuar de forma mais próxima dos representantes governamentais. “Levamos o Brasil para o mundo. Havia uma participação tímida do setor empresarial brasileiro, mas demos um salto em relação a isso.”
 
Letramento digital
 
O primeiro painel de debates do evento - “Repensando a escola do século 21: desafios de atualização curricular e letramento digital para estudantes e professores” – teve como moderador o presidente do CN-SESI, Fausto Junior. Ele destacou os desafios da educação no Brasil, abordando a relação entre os setores público e privado, o papel dos professores e as rápidas transformações da sociedade.
 
Para Fausto, a melhoria da educação passa pela valorização dos professores, que enfrentam sobrecarga de trabalho e diversas outras dificuldades. O presidente do Conselho também enfatizou a necessidade de adaptação das escolas diante das mudanças tecnológicas e sociais, com a construção de ideias estratégicas para enfrentar os desafios do momento.
 
Outro ponto abordado por Fausto foi o envelhecimento populacional e seus impactos na economia do cuidado e na educação ao longo da vida. Fausto destacou que a sociedade brasileira envelhece em um ritmo acelerado, antecipando desafios semelhantes aos enfrentados por países europeus, mas sem a mesma estrutura de suporte.
 
Além disso, o presidente do CN-SESI chamou atenção para a evasão escolar e suas consequências para o desenvolvimento do país. Ele ressaltou que, apesar dos avanços na inclusão educacional, ainda há dificuldades na qualidade da educação e na permanência dos estudantes no sistema de ensino.
 
Ao final, destacou a importância da conexão entre educação e mercado de trabalho e ressaltou a ausência de políticas que facilitem essa transição, o que, segundo ele, compromete a inserção profissional dos jovens.
 
Desastre anunciado
 
O presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Cesar Callegari, alertou para um paradoxo no sistema educacional brasileiro: apesar da existência de leis e políticas públicas que garantem o direito à alfabetização, a realidade nas escolas ainda está distante do ideal.
 
“O Brasil tem definido como meta que toda criança deve estar alfabetizada ao final do terceiro ano do ensino fundamental. No entanto, mais de 50% das crianças chegam a essa etapa sem a devida alfabetização”, lembrou. Segundo ele, esse déficit representa um “desastre anunciado”, que compromete o futuro educacional e profissional de milhões de brasileiros.
 
Callegari também mencionou os esforços recentes para reverter esse cenário, citando iniciativas como o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, além de programas conduzidos pelo governo federal e por estados e municípios.
 
“Apesar dos avanços, ainda convivemos com uma condenação precoce de uma parcela significativa da população a uma cidadania precária”, lamentou.
 
O presidente do CNE defendeu políticas que garantam melhores condições para a carreira docente, incluindo investimentos na formação inicial e continuada, além de maior reconhecimento profissional e salários adequados. “O apagão de professores não é apenas quantitativo, mas também qualitativo. Precisamos enfrentar esse problema de maneira estruturada, com políticas que assegurem uma formação sólida e melhores condições de trabalho.”

Gestão de aprendizagem
 
O ex-ministro da Educação, Henrique Paim, enfatizou que um dos grandes desafios da educação é a construção de uma gestão de ensino voltada à aprendizagem e à redução das desigualdades. “Ainda não temos uma cultura da avaliação formativa e processual, do planejamento para a aprendizagem e o acompanhamento do aluno.”
 
Ele também defendeu uma formação de professores associada a essa questão, refletindo na estratégia pedagógica a ser utilizada em sala de aula. “O desafio é reduzir a obsolescência na escola e romper com a dinâmica de um ensino que é informacional e vertical, para um ensino que seja mais intelectual, que traga o pensamento crítico para o estudante, superando a barreira da desigualdade.”
 
 Desafios do futuro
 
Na sequência, Danilo Yoneshige, fundador da Layers, falou sobre os desafios de se preparar alunos para um futuro que ainda não conhecemos. “Nosso currículo consegue seguir a velocidade das novas tecnologias?”, questionou.
 
Para ele, é preciso olhar para os resultados de educação básica para poder avançar, integrando o currículo dos anos finais às atividades práticas, com programas de competências. “Não podemos condenar nossos alunos a um futuro incerto, dependente. Precisamos olhar para a tecnologia, garantindo interoperabilidade do sistema. Precisamos acompanhar o aluno em toda a trajetória curricular dele.”
 
De outro lado, o diretor da Suzano, Leonardo Mercante, abordou a escassez de mão obra qualificada e a importância da formação para o trabalho atrelada ao resultado da produtividade. “Precisamos focar na inteligência artificial como um propulsor da produtividade, tanto para os professores no Brasil quanto para os trabalhadores em geral. Isso é fundamental para o futuro do trabalho”, afirmou.
 
Oportunidade
 
A presidente da Microsoft Brasil, Priscyla Laham, centralizou sua fala na importância da inteligência artificial (IA) generativa como um divisor de águas comparável à eletricidade em termos de impacto na sociedade.
 
“A inteligência artificial generativa é a maior mudança tecnológica da nossa geração”, afirmou. Segundo ela, essa revolução representa uma oportunidade única para o Brasil avançar na economia digital.
 
A executiva reforçou que o desenvolvimento da IA exige infraestrutura robusta e investimentos de grande porte. Na educação, Laham aponta que a IA pode atuar como suporte para alunos e professores, facilitando o aprendizado. “Tecnologia avançada não precisa ser complexa. A IA generativa utiliza uma linguagem natural, conversacional, tornando-se acessível até para quem não tem conhecimento técnico aprofundado”, explicou.
 
Ela cita um caso de inovação dentro do SESI, em Campo Grande (MS), onde um professor e um aluno desenvolveram um aplicativo de planejamento estudantil utilizando o Copilot Studio, ferramenta de programação de baixo código da Microsoft. “Nosso grande desafio é como transformar essa infraestrutura em soluções reais, seja na educação, nos negócios ou em outras áreas estratégicas”, disse.
 
Radicalização do humano
 
Para os superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, a questão central não está apenas na automação e na capacidade dos algoritmos de reconhecer padrões, mas no impacto direto dessas transformações na essência da humanidade.
 
Nesse contexto, segundo Henriques, é essencial um processo de “radicalização do humano”, ou seja, o fortalecimento das competências humanas, frente às novas exigências tecnológicas.
 
“A radicalização do humano só será consistente se cada um de nós desenvolver as competências relacionadas ao mundo digital”, defendeu. Para ele, o letramento digital não é apenas uma questão técnica, mas um elemento fundamental para garantir que as pessoas não sejam meras espectadoras das transformações tecnológicas, mas protagonistas ativas nesse novo cenário.
 
Mapeando lacunas
 
Encerrando o painel, o superintendente de Educação do SESI Nacional, Wisley Pereira, alertou para um dos principais desafios da educação brasileira: a perda de competências ao longo da trajetória escolar. “Cada vez que o estudante caminha no processo do K-12 [modelo educacional que abrange toda a educação básica, do ensino infantil ao médio], ele piora. Ele inicia muito bem no processo de aprendizagem, mas, ao chegar ao ensino médio, 50% não têm domínio da língua e da matemática”, afirmou.
 
Para enfrentar esse cenário, o SESI lançou a Rede SESI, uma iniciativa que busca mapear as lacunas na formação dos professores e avaliar a maturidade digital dos docentes. O diagnóstico, segundo Pereira, é essencial para entender a realidade das escolas e construir estratégias mais eficazes.
 
Ele também falou sobre a necessidade de uma revolução no ensino que dê conta de acompanhar os avanços tecnológicos. Para Pereira, é preciso “empacotar” as novas tecnologias de maneira que sejam acessíveis ao professor.
 
O superintendente frisou ainda a necessidade de atualização dos currículos e das práticas de ensino. “A gente precisa entender que tipo de currículo a gente quer para a formação de cidadãos do futuro. Não vamos avançar se a gente não tiver um processo de ensino-aprendizagem para ensinar as pessoas a pensarem como que elas podem se inserir no mundo digital, fazer o seu próprio letramento digital. Vamos precisar disso em todos os níveis, na escola, nas grandes empresas, na indústria. Vamos precisar que um ensine ao outro”, finalizou. 

Utilizamos cookies para permitir o funcionamento de nosso site e para coletar estatísticas de visitas para melhorar sua experiência de navegação. Saiba mais em nossa política de cookies ou gerencie suas permissões. Fale com nosso DPO através do e-mail: lgpd.cnsesi@cnsesi.com.br